sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Clube da Leitura: O tempo congelado

Conto escrito para o evento Clube da Leitura, de 18/02/14, no sebo Baratos da Ribeiro, em Copacabana. A inspiração para o texto foi um trecho do romance "Extinção", de Thomas Bernhard.


Foto: Camila Márdila (tirada do perfil de Facebook do "Coletivo transverso")



O tempo congelado


O homem solitário, entristecido, sentado em um bar. Ele escreve por escrever. Como forma de passar um tempo que não passa. Preenche folhas em branco, com margens amareladas. Escreve em um caderno antigo, encontrado por acidente em uma gaveta. Queria ser escritor, mas nunca superou a falta do que dizer. São palavras que não têm razão pra ser, exceto ocupar o vácuo entre os momentos. São pedidos de socorro.
Bebe sem vontade, fuma sem tesão. Sente-se em uma dimensão paralela; estranha e familiar ao mesmo tempo. O ambiente é o mesmo, assim como as pessoas que passam à sua frente. Tudo é igual. Exceto ele, que não está mais lá. Está em uma cabine transparente, hermeticamente fechada, observando tudo. São seres desfilando em um aquário, o mundo lá fora. Ele está "lá", ausente. Percebe que não pode se mover. Que todos os momentos se resumem a um instante estático. Uma vida inteira resumida em um olhar perdido, um sorriso torto e a pele oleosa, formando um desenho quase expressionista. Ao fim, todos somos caricaturas, moldadas por nós mesmos e nossos desastres. Um retrato a tinta e recorte. Não há o que dizer, pois o discurso foi sugado. Abre os olhos e se percebe como uma fotografia de uma página em branco, com manchas amareladas. Um simulacro de criação, estéril em sua concepção. Este tempo não andará. A morte é um lago parado. Para de escrever.

Um comentário:

  1. Gostei muito! Parabéns! O texto é singelo e bem escrito, merecia muitos votos no clube da leitura. Espero que tenha sido bem lido lá na hora...

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