sábado, 30 de julho de 2011

Um debate brasileiro


Você vai se lembrar de mim na semana que vem?

Este texto não pretende discutir os méritos ou a ausência dos mesmos no longa-metragem "A serbian film - terror sem limites". Tampouco é minha intenção questionar se a controvérsia envolvendo sua exibição em território brasileiro seria um caso de censura. Há textos muito bons tratando desses temas e aconselho a leitura. Abaixo, o leitor poderá encontrar os links daqueles que achei mais intrigantes até esta tarde de sábado.
O que me interessa aqui é um elemento indireto na discussão toda. A necessidade de discutir os direitos e deveres da democracia de forma constante. Por que apenas quando um caso desses surge relembramos de nossos direitos? É como se a democracia fosse o ar que respiramos: algo presente, mas que ninguém pensa a respeito. No entanto, quando ficamos sufocados, a necessidade por fôlego retorna. A democracia para alguns parece adquirir uma conotação similar. Só invocamos seu santo nome quando sentimos sua falta. Não discutimos com constância o sistema de governo que foi inexistente por duas décadas e objeto de uma votação nos anos 90 em nosso país. Queremos nossos direitos, mas quase nunca nos damos conta de nossos deveres.
Antes da polêmica da semana passada, um jornal de renome foi proibido de publicar reportagens sobre uma investigação envolvendo um determinado político. Isso foi em 2009. Se me lembro corretamente, houve protestos de diversos membros da fatia intelectual/cultural do país. O site da publicação, inclusive, expunha um banner que servia de faixa de luto com o dizeres "X dias de censura". No momento, me falha a memória que desfecho teve essa história, se é houve algum.
Fatos como esses ocorrem com frequência em nossa nação. O fato é que quando uma proibição é sustentada pela Justiça, essa cumpre um direito de todo cidadão, seja ele um indivíduo ou grupo: aquele que se sentir ofendido por uma insinuação ou campanha pode levar sua queixa ao tribunal e ter seu pedido julgado. Se for procedente, será atendido. Outros julgamentos serão feitos para determinar a validade da decisão. Esse é um princípio e direito democrático. E, nosso dever como cidadãos, aqueles que elegem os funcionários públicos que determinarão os juízes responsáveis por este tipo de decisão acima, é aceitar o verídico caso não caiba mais recurso. Vamos nos lembrar sempre que nós somos parte da corrente dentro deste organismo. Protestos são benvindos e necessários. Entretanto, de pouco adiantam se não nos damos ao trabalho de supervisionar o trabalho de quem votamos até que algo que nos desagrade aconteça.
Temos o direito de nos queixar e exigir na Justiça o que acreditamos ser correto. Por outro lado, um pedido vindo de um partido político e seu cacique é julgado com os mesmos critérios disponibilizados a um indivíduo anônimo? Por mais absurdo que um argumento possa soar, ele merece ser ouvido? São perguntas importantes e negligenciadas. A meu ver, se for justo, deve ser acatado. Caso contrário, combatido. Os tribunais tomam estas decisões. No entanto, sem querer entrar nas particularidades presentes na formulações das sentenças, podemos nos ater um fator simples. Juízes são humanos. Seres humanos erram. Se estes homens e mulheres que foram colocados para fazer cumprir as leis dentro da comunidade cometerem um ato considerado em desacordo com sua posição, a sociedade deve manifestar sua insatisfação. Mas isto não se resolverá com uma solitária reunião em frente a um cinema ou colunas para encher as páginas de publicação impressas ou virtuais da semana. É um processo contínuo. Se você realmente acredita no que defende, precisa ter isso em mente. Só assim sua ideia será ouvida e não largada em meio a todos os gritos do dia. Se você se queixa durante a semana que o filme foi censurado, mas, logo em seguida, está discutindo com igual interesse sobre a última indiscrição de uma celebridade, tem algo errado.
A democracia em nosso país é um bem pelo qual pessoas morreram. Não é melodrama da novela, é verdade. Há pouco mais de 30 anos, brasileiros lutaram de todas as formas possíveis para garantir os direitos que usufruímos agora. Alguns partiram para o exílio, outros desta para melhor. Na época, o inimigo tinha uma face. Hoje, especialmente para as gerações que cresceram no luxo de não ter vivido esta época e passado por estas escolhas, o sentido de esforço contínuo parece ter se perdido. Pior: a indiferença com o que acontece ao seu redor, exceto quando lhe afeta diretamente, se torna a regra. É estranho.
O resumo é que não adianta reclamar que a merda fede depois que está feita. O tipo de comportamento exibido nos fóruns de redes sociais e em mesas de bares durante os 5 dias que durou a discussão deve ser uma constante, não a controvérsia da semana. Mais do que isso até: precisa sair do terreno das ideias e começar a gerar ações. Democracia é composto por direitos e deveres. Em iguais proporções.

Links:
http://cinema.cineclick.uol.com.br/noticia/carregar/titulo/censurado-no-rio-a-serbian-film-e-temporariamente-suspenso-no-resto-do-pais/id/31181/

http://en.wikipedia.org/wiki/A_Serbian_Film

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/951320-veto-a-serbian-film-no-rio-revela-conflito-juridico.shtml

http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2011/07/26/suspenso-pela-justica-do-rio-filme-com-cenas-de-violencia-explicita-vira-hit-na-web-gera-debate-sobre-censura-924981409.asp

http://g1.globo.com/platb/maquinadeescrever/2011/07/26/um-filme-degradante-e-uma-falsa-polemica/

http://quadrisonico.wordpress.com/2011/07/29/a-serbian-film-censurado-no-brasil-todo/

http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2011/07/27/andre-miranda-924989187.asp

http://cinema.uol.com.br/ultnot/2011/07/22/bem-dirigido-filme-vetado-no-em-festival-no-rio-de-janeiro-e-calculado-para-causar-polemica.jhtm

http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2011/07/30/arte-democracia-a-censura-a-serbian-film-395352.asp

Série "Idalinas": Boneca de Porcelana



No lugar onde duas jovens cúmplices se sentavam, restaram mudas bonecas de porcelana posicionadas pelo tempo.

Imagem: "Chop Suey" - Edward Hopper
Texto: Daniel Russell Ribas

sábado, 23 de julho de 2011

Crônica de uma morte cantada



"I cheated myself
Like I knew I would
I told you I was trouble
You know that I'm no good"

"You know I'm no good" - Amy Winehouse

Um dos maiores sucessos da cantora Amy Winehouse é "You know I'm no good", cujo refrão que ganhou um conotação macabra hoje. Neste sábado, a jovem considerada uma das grandes revelações musicais da década passada, foi encontrada morta. Como nos casos de outros ícones como Jim Morrison, Jimi Hendrix, Kurt Cobain e Janis Joplin, se trata de uma artista talentosa cuja decadência física/psicológica/espiritual atingiu seu ápice aos 27 anos.
A expectativa por seus shows ou novas canções era quase tão grande quanto qual seria a nova merda que faria. Onde ela cairia bêbada desta vez? Que show ela cancelaria por não estar em condições de subir ao palco? Quando ela entraria na reabilitação pela enésima vez? Nós alimentamos o mito da celebridade autodestrutiva. Chamamos de "atitude". Quando ela cobra seu preço, lamentamos a perda. Ainda assim, aplaudimos enquanto assistíamos ao inevitável.
Lembro-me que de conversar com amigos quando ela fez a controversa apresentação no Rio de Janeiro. Um dos comentários mais comuns era o fato de ela viver um estilo de vida extremo e não esconder de ninguém. Numa hipocrisia disfarçada de elogio, Amy Winehouse era praticamente nosso bode expiatório. Ela não era apenas uma pessoa de talento e carisma. Era alguém que vivia por nós as fantasias da existência de celebridade, aquela que poderia agir sem limites e não ser cobrada por isso.
O mito em torno de Amy Winehouse só tende a solidificar no decorrer dos anos. Não apenas por conta do pontos abordados por acima, mas por uma trivia mórbida: em mais de uma ocasião, ela cantou a própria morte. Além do trecho de "You know I'm no good", podemos encontrar outros exemplos nos hits "Back to black" e "Rehab". Numa, ela canta sobre morrer cem vezes e de ser uma pequena moeda rolando dentro de um cano que seria a vida. E, claro, o famoso refrão de "Rehab". Posso ser acusado de tirar as palavras do contexto, mas não acho que seja o caso. Ela cantou e viveu o desespero de uma existência com prazo de validade estipulado. Cantamos de volta, acendendo e balançando celulares.
Alguns podem argumentar que ela se matou. Outros que nós a matamos, ao incentivar a figura pública no lugar da artista. Nunca é tão simples. Há mais fatores que jamais saberemos. Entretanto, não deixa de me espantar a expectativa que havia em torno de sua morte. Acredito que todos podemos nos lembrar de uma conversa ou manchete em que a decadência de seu estado de saúde era motivo de comentários no sentido "até quando vai durar?"
Quando comecei a procurar informações a respeito do ocorrido, esbarrei no site com sugestivo nome de "When will Amy Winehouse die". Nele, os internautas apostavam quando ela bateria as botas. É provavelmente uma das iniciativas de maior mau gosto e condenáveis que tomei conhecimento recentemente. Porque a questão não é quando a drogada famosa vai finalmente se foder, mas quando uma jovem irá morrer/se matar. É assustador perceber que havia uma expectativa maior pela morte que pela recuperação. Mesmo seus fãs não acreditavam que isso fosse possível. Por que ela morreu? Duvido que alguém saiba ao final. O fato é que a novela acabou. Por que não estamos satisfeitos?
Há pouco menos de 20 anos, Kurt Cobain, um artista com estilo de vida e angst existencial similares, se suicidou. Jim Morrison, mesma coisa, duas décadas antes do vocalista do Nirvana. Agora, Amy Winehouse. A diferença está no estilo musical de cada um. O fato é que, num período de tempo aproximado, surgirá alguém que será sacrificado em nome de algo que não é arte. Alguém que será a manifestação carnal de nossas angústias e aspirações. E, por isso, terá um final breve.
Não a conheci, sequer estive presente durante sua performance na minha cidade. Não me lamento por nenhum dos dois. Acho simplesmente triste, porque desperdício me irrita. Por mais que não seja um fã, ela tinha uma voz e coisas a dizer. Suas letras são simples, diretas e honestas. Sua presença era forte mesmo em imagens gravadas. Poderia ter seguido uma carreira como dos grandes nomes de R&B e soul. Morre a diva, fica a lenda.
Não digo que o público matou Amy Winehouse. Apenas que não a ajudou.