segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Qual é o livro que mais lhe marcou? Antônio Xerxenesky



Esta é uma série em que faço uma pergunta a escritores e outros personagens da trama editorial. Se ainda não percebeu qual é, então, o que você quer que eu faça?

Na edição de hoje, o autor Antônio Xerxenesky. A entrevista foi feita em áudio e a transcrição preservou ao máximo a instantaneidade da fala.

Acho que foi "O arco íris da gravidade" do Thomas Pynchon, porque, a primeira vez que eu o li, eu não entendi quase nada. E eu tou relendo ele. Eu releio ele com uma frequência e continuo nunca entendendo tudo e acho que vou continuar relendo e nunca vou entender todas as mil coisas que tem ali, porque é meio um livro maior que o mundo. Marcou muito por isso, porque esse é um livro que tenta abranger todo o universo e fracassa. E meio que nada nesse fracasso.

DRR: O que fracassa nele?

Fracassa, porque qualquer livro com essa pretensão de totalidade, que, no caso, tenta dar conta da Segunda Guerra; enfim, do fim da Segunda Guerra Mundial; e ele tenta com mil linguagens diferentes. Tem linguagem de desenho animado, linguagem pastelão, tem linguagem científica, tem fórmulas matemáticas no meio. Ele tenta pegar o mundo de todos os pontos de vista diferentes para tentar atribuir algum sentido, mesmo sabendo que vai ser impossível, que, ainda assim, ele continua absurdo. Quanto mais investiga, mais absurdo aparece.

O Autor:



Antônio Xerxenesky nasceu em 1984. É escritor e co-fundador da Não Editora. Publicou a convenientemente esgotada coletânea de contos "Entre", a novela "Areia nos dentes" (Não Editora/ Rocco) e a uma nova reunião de pequenas histórias, "A página assombrada por fantasmas" (Rocco). Também pode ser lido nas antologias "Ficção de Polpa Vol. 1", "Ficção de Polpa Vol. 2", "Ficção de Polpa Vol. 3" e "24 letras por segundos", todos pela Não Editora. É um dos editores da revista virtual "Cadernos de não-ficção".

Links:
Em O Arco-íris da Gravidade, Thomas Pynchon compõe uma ousada "narrativa enciclopédica", com 400 personagens e tramas paralelas

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Valeu, Vicente: um relato pessoal do evento "Homenagem ao querido Vicente"


Ontem eu fui ao Empório.
Para aqueles que eventualmente desconheçam a Zona Sul carioca, trata-se de um bar em Ipanema. Reduto notório de jovens, turistas e criaturas da noite, é conhecido pelo som (rock n'roll) e como porto seguro para os boêmios de plantão (eu). Entre as diversas figuras que estiveram ou ainda surgem por lá, uma resumia em si toda a essência do local. Vicente. Por 22 anos, ele trabalhou como garçom do Empório e se tornou um "embaixador" do lugar. Ele era o Empório em qualidades e defeitos (Quem nunca recebeu seus "avisos" de que não pode entrar com lata de cerveja no estabelecimento ou que é proibido fumar dentro do bar?). Ele morreu na terça-feira, dia 09 de agosto de 2011. Dois dias depois, foi organizada uma homenagem a ele na sua "casa".
Uma amiga, Tábata, teve a ideia e a colocou na rede social. O que, nas palavras dela, seria um encontro entre poucos amigos se transformou numa convocação informal. Chegou a ponto de ela dar uma entrevista para "O Globo" e de receber reclamações de moradores, temendo a movimentação prometida. Deviam ter pensando ser uma espécie de versão carioca para as manifestações londrinas e chilenas, especulo. Pouco mais de 2.500 pessoas confirmaram presença. Duvido que vieram todos. Mas estava bem cheio. Dentro e fora do Empório e estendendo até o bar na outra ponta do quarteirão, o que tinha era gente vinda para a "Homenagem ao querido Vicente". Estacionados na esquina próxima ao bar, a Guarda Municipal tomou posição para acertar a passagem dos carros na rua lotada por pessoas que iam e vinham, cerveja numa mão e cigarro na outra.



Para uma ocasião marcada por uma égide trágica, foi bem descontraído. Lembrava o Empório como ficou marcado em nós: cheio, boa música e amigos aparecendo a cada instante. Era mais o Empório que gostamos de recordar do que aquele que realmente foi. Comentando com Tábata hoje, concordamos que Vicente teria aprovado. Até os reconhecidos pontos negativos estiveram presentes, como a quase total incapacidade de se mover dentro do lugar, a fila do banheiro e o preço do chopp. No entanto, me dando ao direito de ser piegas, senti falta do famoso grito de "Olha o chope!" sempre que Vicente saia do balcão para servir uma mesa. Foi aí que me bateu a certeza de que, como mencionou Bob Dylan numa canção, "Things have changed".
Conversando com alguns dos vários conhecidos em que esbarrei nesta noite, chegamos a conclusão de que o Empório tem duas fases na sua vida: aquela em que as pessoas vão para o Empório e a posterior, em que você aparece no lugar. Explico: a primeira é quando a ida ao estabelecimento é programada. Você combina com os amigos de se encontrar no Empório e a noite gira a partir daí. A segunda é quando, após os bares de rua fecharem, a busca por alternativas de lugares abertos termina por levar ao Empório. Quando você chega a esta fase, é porque não é mais adolescente. Quando começamos a ir ao bar, estávamos entrando na faculdade e não tínhamos maior preocupação do que o CR. Agora voltamos como seres lutando por um quinhão no latifúndio conhecido como mercado de trabalho, com contas e responsabilidades a galope. Definitivamente, não sou o garoto de 20 anos de 2003, ano que marca minha associação com o lugar.
Apesar de, nos últimos anos, somente aparecer de forma ocasional, ainda gosto de lá. Entre porres, tocos e infinitas saideiras, o Empório me parecia um porto seguro justamente por sua atmosfera familiar. E atribuo a isso à presença do Vicente. Até no visual, ele parecia ser o único de nós não afetado pelo tempo. Mantinha a mesma barba generosa e atitude. Gostava de programas culturais e música rock. Sei do primeiro por relatos e experiência. Toda vez que o via, conversávamos sobre filmes, ainda mais depois que me tornei crítico de cinema. Em seguida, pegava com ele um chopp e ia fumar no lado de fora. Quanto ao segundo, há uma gravação no Youtube de um show do Gogol Bordello, em que Eugene Hütz faz um cover de "I wanna be your dog" do Iggy Pop. A participação de Vicente é pequena, porém emblemática.
Como ícone de um passado recente, o falecimento de Vicente deixa uma sensação amarga. Se não para o mundo, sua morte, para mim, separa de forma explícita quem eu fui e o que sou agora. As coisas mudaram. Faço, então, minha despedida usual, quando deixava o copo vazio no balcão e encerrava o dia.
"Valeu, Vicente."

Links:
Eugene Hütz canta "I wanna be your dog"

Morre Vicente, garçom-ícone da cena alternativa carioca, e frequentadores programam homenagem

Foto do evento "Homenagem ao querido Vicente" tirada por... mim.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Clube da Leitura: Peito


Texto escrito para o evento "Clube da Leitura" no sebo Baratos da Ribeiro, em Copacabana (19/07/11). Visite o blog do "Clube da Leitura". É só clicar no nome.

Tentava pensar em uma ideia para o desafio do dia seguinte: escrever um conto inspirado em uma crônica lida há duas semanas. O mote era uma relato breve em que um acadêmico paulistano comparava o movimento politicamente correto com a transformação do protagonista de “A metamorfose” em um inseto. No caso, como a opção por aceitar passivamente as circunstâncias e nada fazer a respeito pode ser visto por algumas pessoas como uma espécie de felicidade. Ou seja, ignorar o estranho e escolher uma adaptação hipócrita seria a melhor maneira de adequação à sociedade.

Estava num ônibus. Voltava para casa após um longo dia de trabalho. Queria tomar um banho quente e fechar a segunda-feira. A linha era o 308, anteriormente conhecido como 175. Por que mudaram o número, eu não sei, pois o trajeto continuava o mesmo. O que também permanecia era o característico fedor de cecê impregnado pelo veículo como uma lembrança de como as pessoas preferem se manter quietas perante o absurdo a assumir uma postura controvertida e solitária. Puxa, que cheiro terrível; não podia ser o único incomodado.

Entre o cansaço e o odor, nada me vinha à mente. Nada, além das preocupações habituais com desemprego, contas atrasadas e indecisão geral quanto à vida. Então, elas entraram.

Duas garotas, provavelmente retornando ao lar após um dia de trabalho. Poderiam ser estagiárias de uma firma na Barra, quem sabe? Sabia que eram de estatura mediana e muito magras. Jovens, sem dúvidas. Bonitas, num jeito peculiar, também. Achava graça em notar como suas cabeças pareciam grandes demais para aqueles corpos miúdos. Ainda assim, seus rostos cansados e oleosos mostravam uma beleza tímida e nova, típica da garota que lhe conquista com um sorriso e um jeito agradável de ser. Foi aí que percebi outra coisa.
Como todo homem solteiro, olhar de forma discreta não é um crime. Eu olho, tu olhas, ele/ela olha, nós olhamos, eles olham (ninguém mais usa a segunda pessoa do plural “vós”). E o que olhei era que uma delas não tinha bunda. Era realmente sem curvas o trecho de trás da calça abaixo da cintura. Levantei meus olhos e notei que seu decote tampouco era generoso e o de sua amiga também. Ambos eram desprovidos de quaisquer contornos entre o plexo e o pescoço. Logo, não era um vestígio rotineiro de luxúria que conduzia meus pensamentos, mas como as mulheres que haviam feito parte de minha vida se relacionavam com seus corpos.

Independentemente do tipo de relação, todas sempre mencionam um defeito que enxergavam como aberrante. Em geral, esses “erros de nascimento” se concentravam nas partes extremas dos terços que dividem o corpo: pés, bunda e seios. Uma mencionava que tinha o segundo dedo pé muito comprido em relação aos outros e outras que calçavam tamanhos que seriam mais apropriados para um homem. Quanto à parte traseira, surpreendentemente só conseguia me lembrar de uma única queixa: não ter parte traseira substancial. Se o adjetivo deveria ser entendido como algo que mostrasse curvas ou “bumbum de passista”, me falha o entendimento.

Já os seios eram a área mais crítica. As reclamações variavam: muito pequenos, muito grandes, tamanhos desiguais, caídos, … Elas estavam convencidas de que um homem não poderia deixar de olhar para esses defeitos de maneira imediata. Talvez seja minha ingenuidade, mas realmente nunca prestei atenção em nada disso até elas me chamarem a atenção. E, mesmo assim, eu não dava a mínima. Uma ex-namorada perguntava se deveria fazer uma operação plástica. Quando me lembro, acredito que ela esperava que reafirmasse suas suspeitas e abençoasse o sagrado bisturi. Seu olhar questionava minha sinceridade. Assim, repetia a pergunta mais de vez, me encarando na esperança de notar qualquer alteração. Tudo o que queria dizer era que não me apaixonei por uma parte de seu corpo. Quem gosta de pedaços de carne é açougueiro. Desejava que vissem que achar uma pessoa linda não se tratava de imagens, mas de uma experiência sensorial. É preciso tocar algo além da pele.

Embora divague, o ponto que gostaria que ficasse claro é: Homens não se importam tanto como uma mulher aparenta se estão envolvidos emocionalmente. Parece mentira, mas não é. Toda conversa que tenho a respeito de mulheres, após passarmos do cumprimento “é gostosa”, falamos sobre fatores alheios ao visual, como: ela é legal? o que fazem juntos? ela gosta disso, não gosta daquilo? Pelo menos, é assim nos papos em que participei. Há possibilidade de estar sendo ingênuo, mas se elas percebessem que estar com alguém em que podemos nos sentir à vontade, nos sentir com alguém que nos compreende, é o que os homens querem, haveria menos neurose sobre um aspecto que considero trivial. Se homens começam perseguindo a carne, eles ficam pela segurança. Logo, é mais importante ter peito que ser peituda.

Posso soar hipócrita defendendo uma questão mais espiritual que física quando foi justamente a última que me levou a estas reflexões e lembranças. Mas o fato é que isso seria o melhor que conseguiria. Como abordar alguém que você não conhece num ônibus? Não é como num pátio de escola na primeira série quando éramos crianças e tudo surgia sem uma névoa de segundas intenções e desconfianças mútuas. Se pudesse ter uma chance num terreno neutro, como uma celebração, poderia introduzir um assunto. Enquanto isso não ocorre, queria que soubessem o quão bonitas são e que nada ou ninguém poderia tirar isso delas, exceto elas mesmas.

Afinal, o que os homens querem não é um buraco, nem uma paixão alucinada. Tudo isso é bom, não entenda errado. Mas, ao final das contas, o que todos querem é encostar a cabeça no ombro de uma pessoa querida após um dia cansativa e ouvir aquilo que nos mantém seguindo em frente: “Meu amor, eu acredito em você.” Pois estas palavras provam que ainda teremos fôlego para lutar contra a passividade que nos transforma em insetos, seres indiferentes sem motivação para valer sua identidade. O que nos evita de sermos baratas felizes e morrer é o fato de que há alguém ao seu lado e para manter essa pessoa, você precisa ter peito.

Obs: A imagem foi colhida por Ágata Sousa no site PostSecret.