domingo, 30 de setembro de 2012

O futuro segundo o delegado e o urso

Eu não vi o filme “Ted” ainda, mas posso afirmar que já ri com ele. Indiretamente, pelo menos. Para os desatualizados, nesta terça-feira, 25 de setembro, o deputado Protógenes Queiroz afirmou que pedirá aos Ministérios da Justiça e da Cultura que suspendam a exibição de “Ted”. O filme trata da amizade entre um sujeito sem rumo e seu ursinho de pelúcia, que não apenas fala como possui toda uma miríade de vícios humanos: bebe, fuma, usa drogas e é tarado. A classificação etária é 16 anos, mas Queiroz levou seu filho de 11 anos para assistir ao filme sob a alegação de que o menino é um pré-adolescente. A indignação do político não é de que o filme seria inapropriado para menores de idade, mas para todos. “Não poderia ser liberado nem para 16 nem para 18 anos. Esse filme não pode ser liberado para idade nenhuma. Não deve ser veiculado em cinemas", comentou em reportagem ao “Estado de S. Paulo”. É quase como a versão bufa da polêmica no ano passado envolvendo o infame “Um filme sérvio” e o grupo liderado por Cesar Maia, candidato a vereador nestas eleições. Ao contrário dos políticos cariocas, dou a Queiroz ao menos crédito de ter visto o filme antes de criticá-lo. Sobram piadas e críticas a Queiroz nas redes sociais. Muito provavelmente a bilheteria do filme será maior devido ao novo público de curiosos que irá ao cinema. E, mais ainda, atrairá apenas fumaça e nenhum fogo. Trata-se de um bom exemplo de opereta da era virtual: é uma encenação despretensiosa, cujo intuito final é distrair o espectador com certa leveza, sem oferecer algo mais substancial, realizado em um palco invisível e em movimento constante, em que o jornalismo divide igual espaço e importância com imagens de gatos e fotos de refeições. Depois de rir com o ridículo da situação, um pensamento me veio. Uma rápida busca na internet me relembrou. O deputado que hoje se preocupa com os efeitos corruptores de um filme sobre um urso de pelúcia maconheiro foi ontem considerado um herói e um mártir nacional. Antes de ser tornar político, ele foi o delegado federal responsável pela Operação Satiagraha, que levou à prisão do banqueiro Daniel Dantas por corrupção ativa. Após ser preso, Dantas foi liberado para ser preso mais uma vez por tentar subornar um delegado da Polícia Federal. Foi liberado no dia seguinte. Queiroz foi demitido da PF e condenado pela Justiça em 2010 por "vazar informações" e "forjar provas". A pena de 4 anos foi convertida em prestação de serviços à comunidade. Com tudo isto, fiquei pensando no efeito do tempo nas pessoas e percepções. O próprio “Ted” tem este assunto em sua premissa. O homem e seu urso de pelúcia viciados e preguiçosos vivem numa adolescência perpétua. Apesar de estarem com idade adulta, não amadureceram e tem dificuldades em encarar a nova realidade de suas vidas, o que origina o comportamento que tanto horrorizou o deputado. Já Queiroz, como diz a expressão, perdeu uma boa oportunidade para ficar calado. Após seu papel de destaque como o “delegado que pegou o corrupto e pagou o preço”, Queiroz sumiu da vida pública para retornar como uma piada de bar, no estilo do humor do filme que critica. Ouvi a música “The future” de Leonard Cohen enquanto escrevia este texto e fiquei pensando em seu profético verso “When they said REPENT REPENT I wonder what they meant” e o associei aos personagens desta farsa midiática. Seja através do entorpecimento ou lutando contra moinhos de vento que posam de gigantes, o tempo pode ser devastador com aqueles que brilharam no passado. O garotinho com o brinquedo especial e o policial herói são personagens da mesma tragicomédia. Aqueles que a todo custo se agarram àquele resquício de esperança e bem-estar, conscientes da ilusão que criaram, mas incapazes de aceitar sua nova condição. Todos nós precisamos nos adaptar às atuais etapas de nossas existências para não sermos esmagados pelo peso. O peso do fracasso, da culpa, do deslocamento. Todas estas sensações nos arrastam à medida que nossa compreensão sobre o que nos cerca some. A vida passa, e passa por cima. É preciso estar ciente que apenas ao se arrepender, ao se desculpar por tudo o que deu errado e seguir adiante, entendemos o que a vida estava tentando dizer. Não adianta viver no passado. Os tempos mudaram. É necessário preservar nossos valores, mas isto não é desculpa para não entender o contexto da nova realidade. Porque o futuro, meu irmão, em qualquer caso, é a morte. O resto é bom senso. Em tempo: No dia seguinte, o deputado voltou atrás devido a repercussão da história. Ele agora pretende pedir para que a classificação etária seja alterada de 16 para 18 anos.

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