segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Clube da Leitura: Peito


Texto escrito para o evento "Clube da Leitura" no sebo Baratos da Ribeiro, em Copacabana (19/07/11). Visite o blog do "Clube da Leitura". É só clicar no nome.

Tentava pensar em uma ideia para o desafio do dia seguinte: escrever um conto inspirado em uma crônica lida há duas semanas. O mote era uma relato breve em que um acadêmico paulistano comparava o movimento politicamente correto com a transformação do protagonista de “A metamorfose” em um inseto. No caso, como a opção por aceitar passivamente as circunstâncias e nada fazer a respeito pode ser visto por algumas pessoas como uma espécie de felicidade. Ou seja, ignorar o estranho e escolher uma adaptação hipócrita seria a melhor maneira de adequação à sociedade.

Estava num ônibus. Voltava para casa após um longo dia de trabalho. Queria tomar um banho quente e fechar a segunda-feira. A linha era o 308, anteriormente conhecido como 175. Por que mudaram o número, eu não sei, pois o trajeto continuava o mesmo. O que também permanecia era o característico fedor de cecê impregnado pelo veículo como uma lembrança de como as pessoas preferem se manter quietas perante o absurdo a assumir uma postura controvertida e solitária. Puxa, que cheiro terrível; não podia ser o único incomodado.

Entre o cansaço e o odor, nada me vinha à mente. Nada, além das preocupações habituais com desemprego, contas atrasadas e indecisão geral quanto à vida. Então, elas entraram.

Duas garotas, provavelmente retornando ao lar após um dia de trabalho. Poderiam ser estagiárias de uma firma na Barra, quem sabe? Sabia que eram de estatura mediana e muito magras. Jovens, sem dúvidas. Bonitas, num jeito peculiar, também. Achava graça em notar como suas cabeças pareciam grandes demais para aqueles corpos miúdos. Ainda assim, seus rostos cansados e oleosos mostravam uma beleza tímida e nova, típica da garota que lhe conquista com um sorriso e um jeito agradável de ser. Foi aí que percebi outra coisa.
Como todo homem solteiro, olhar de forma discreta não é um crime. Eu olho, tu olhas, ele/ela olha, nós olhamos, eles olham (ninguém mais usa a segunda pessoa do plural “vós”). E o que olhei era que uma delas não tinha bunda. Era realmente sem curvas o trecho de trás da calça abaixo da cintura. Levantei meus olhos e notei que seu decote tampouco era generoso e o de sua amiga também. Ambos eram desprovidos de quaisquer contornos entre o plexo e o pescoço. Logo, não era um vestígio rotineiro de luxúria que conduzia meus pensamentos, mas como as mulheres que haviam feito parte de minha vida se relacionavam com seus corpos.

Independentemente do tipo de relação, todas sempre mencionam um defeito que enxergavam como aberrante. Em geral, esses “erros de nascimento” se concentravam nas partes extremas dos terços que dividem o corpo: pés, bunda e seios. Uma mencionava que tinha o segundo dedo pé muito comprido em relação aos outros e outras que calçavam tamanhos que seriam mais apropriados para um homem. Quanto à parte traseira, surpreendentemente só conseguia me lembrar de uma única queixa: não ter parte traseira substancial. Se o adjetivo deveria ser entendido como algo que mostrasse curvas ou “bumbum de passista”, me falha o entendimento.

Já os seios eram a área mais crítica. As reclamações variavam: muito pequenos, muito grandes, tamanhos desiguais, caídos, … Elas estavam convencidas de que um homem não poderia deixar de olhar para esses defeitos de maneira imediata. Talvez seja minha ingenuidade, mas realmente nunca prestei atenção em nada disso até elas me chamarem a atenção. E, mesmo assim, eu não dava a mínima. Uma ex-namorada perguntava se deveria fazer uma operação plástica. Quando me lembro, acredito que ela esperava que reafirmasse suas suspeitas e abençoasse o sagrado bisturi. Seu olhar questionava minha sinceridade. Assim, repetia a pergunta mais de vez, me encarando na esperança de notar qualquer alteração. Tudo o que queria dizer era que não me apaixonei por uma parte de seu corpo. Quem gosta de pedaços de carne é açougueiro. Desejava que vissem que achar uma pessoa linda não se tratava de imagens, mas de uma experiência sensorial. É preciso tocar algo além da pele.

Embora divague, o ponto que gostaria que ficasse claro é: Homens não se importam tanto como uma mulher aparenta se estão envolvidos emocionalmente. Parece mentira, mas não é. Toda conversa que tenho a respeito de mulheres, após passarmos do cumprimento “é gostosa”, falamos sobre fatores alheios ao visual, como: ela é legal? o que fazem juntos? ela gosta disso, não gosta daquilo? Pelo menos, é assim nos papos em que participei. Há possibilidade de estar sendo ingênuo, mas se elas percebessem que estar com alguém em que podemos nos sentir à vontade, nos sentir com alguém que nos compreende, é o que os homens querem, haveria menos neurose sobre um aspecto que considero trivial. Se homens começam perseguindo a carne, eles ficam pela segurança. Logo, é mais importante ter peito que ser peituda.

Posso soar hipócrita defendendo uma questão mais espiritual que física quando foi justamente a última que me levou a estas reflexões e lembranças. Mas o fato é que isso seria o melhor que conseguiria. Como abordar alguém que você não conhece num ônibus? Não é como num pátio de escola na primeira série quando éramos crianças e tudo surgia sem uma névoa de segundas intenções e desconfianças mútuas. Se pudesse ter uma chance num terreno neutro, como uma celebração, poderia introduzir um assunto. Enquanto isso não ocorre, queria que soubessem o quão bonitas são e que nada ou ninguém poderia tirar isso delas, exceto elas mesmas.

Afinal, o que os homens querem não é um buraco, nem uma paixão alucinada. Tudo isso é bom, não entenda errado. Mas, ao final das contas, o que todos querem é encostar a cabeça no ombro de uma pessoa querida após um dia cansativa e ouvir aquilo que nos mantém seguindo em frente: “Meu amor, eu acredito em você.” Pois estas palavras provam que ainda teremos fôlego para lutar contra a passividade que nos transforma em insetos, seres indiferentes sem motivação para valer sua identidade. O que nos evita de sermos baratas felizes e morrer é o fato de que há alguém ao seu lado e para manter essa pessoa, você precisa ter peito.

Obs: A imagem foi colhida por Ágata Sousa no site PostSecret.

8 comentários:

  1. Excelente texto, Daniel!
    Além da essência, uma crônica super bem escrita.

    Abração,

    Chris Angelotti

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  2. Verônica Ferreira1 de ago. de 2011, 19:15:00

    OOOOOOOOOOOOOOOOOOOOhhhhh!!! Que lindo, Dani!
    Concordo com tudo isso que você escreveu, mas não esqueça uma coisa... Mulheres são absurdamente loucas, a ponto de não saberem exatamente nem o que elas acham bonito nelas... Tudo não passa de projeção... A realidade às vezes é mais bonita e elas não se dão conta disso... Fazer o quê? São mulheres, né?
    Mas também tem outra coisa, Dani... Você é um homem sensível com uma visão delicada sobre as mulheres, coisa difícil de achar... Então sua visão é também sempre mais doce que a realidade... Rsrsrs... E mais bonita também!
    Adorei o texto!

    Beijos!
    Verônica Ferreira.

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  3. Muito bom, Daniel!
    Você desfez um "pré conceito" (separado mesmo) de que mulheres enxergam o todo e o homem as "partes"; de que mulheres tem uma paisagem interior e os homens, exterior! Será ironia ou sinal dos tempos?
    Em seu conto fiz uma viagem de fora para dentro, do fisiológico ao sensível.
    Grande encontro!

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  4. Tenho uma teoria: mulher que bota peito de silicone trepa mal ou não trepa.
    E pior, vai continuar com o problema depois, pois está na cabeça e não nas curvas.
    Não aos açogueiros e mulheres picanhas! Aceitem suas características e serão bem mais felizes e ricas. Vão economizar no analista, no tarja-preta e no cirurgião.
    Beijo, Ribas!
    Adorei o texto, parabéns!

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  5. Um corpo imperfeito é a melhor coisa que tem. Concordado.

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  6. Concordo, mas a vaidade faz parte do universo feminino. Esses comentários integram quase que constantemente as conversas diárias entre as amigas. Ser mulher é pairar numa atmosfera de constante neurose estética. Claro, como tudo e todos existem exceções. Eu, particularmente não fujo do grupinho que reclama dos cabelos, barriga (inimiga master), pele, enfim... Sem falar nos dias de TPM, nada, absolutamente nada no corpo parece perfeito.
    A vaidade faz parte do universo feminino, sempre fez. É bom estar entre mulheres bem cuidadas, cheirosas e claro, bonitas. O importante é saber a dose certa entre o desleixo e a vaidade exacerbada.

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  7. ESQUECI DE ASSINAR, MONIQUE JEAN.

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  8. Muito bom, Daniel! Ótimo texto! :)
    É isso aí!! O importante é manter a saúde e o bem-estar. Ser perfeita é impossível. E a busca pelo impossível torna as pessoas completamente obcecadas. Acabam esquecendo o mais importante: o conteúdo!!
    Beijo.

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