domingo, 6 de dezembro de 2009

Zenas kariokas 2


Introdução

Pego um táxi. Destino: minha casa (Copacabana) até o shopping Leblon (... Leblon).

Cena 1 – O mistério desinteressante das lésbicas flamenguistas

Espero uma mulher com a camisa do Flamengo sair do táxi. Ela não tem pressa e eu estou com medo de não chegar a tempo de pegar o shopping aberto ou intacto, já que a festa da concentração do Flamengo corria a toda por aquelas bandas. Mal fecho a porta
- Muita falta de vergonha na cara. Essa aí com a camisa do Flamengo. Tava aí com duas amigas, peguei no Baixo Gávea, as duas se pegando, de língua, agora há pouco...
- Ah, que bom... Só quero ir pro Shopping Leblon, por favor.
- Essa e as amigas...
- ... vamos pegar o Corte do Cantagalo...

Cena 2 – Carmageddon

O taxista continua discursando sobre as lésbicas. Eu faço o máximo para parecer desinteressado, mas ele insiste. É um brasileiro, não desiste e não sabe quando está sobrando.
- ... pra mim, pode fazer o que quiser. Beijar, meter na (...), tá pagando, faz o que quiser, tou pouco me (...)
Neste momento, como sempre ocorre nas ruas cariocas e em Copacabana, as pessoas atravessam fora do sinal e com os carros vindo em sua direção. Embebido apenas por sua revolta em nome dos bons costumes e a moral (eu acho), uma mulher baixa, gorda e um tanto desajeitada tenta descobrir a seu modo por que a galinha atravessou a rua. O motorista avança em cima da mulher por alguns segundos, mas o suficiente para espantar não apenas a mulher como a mim mesmo. Poderia ter sido um acidente, mas
- Essa gente atravessando a rua é um absurdo. Tudo bêbado, não vê a rua, causa acidente.
Mais a frente, um homem tenta a mesma façanha.
- Esse aí, outro. Tudo bêbado...
- É, se distrair no trânsito é algo terrível. – casualmente esperando que ele entenda a indireta.
Estou em dúvida até agora se aquelas demonstrações de psicose explícita foram involuntárias por ele estar preocupado com as lésbicas flamenguistas ou algo mais sinistro. Ainda assim, deveria ter saltado. Por que sempre penso no que deve ser feito depois do ato?

Cena 3 – Janela indiscreta

Após mais alguns resmungos, paramos no sinal perto do shopping. Um garoto, sorrateiramente, se aproxima de um carro estacionado, abre a porta e entra.
- Olha só. Esse aí entrou todo estranho no carro. Tá vendo? Se agachando e tudo... O que será que ele tá fazendo?
- Não me interessa.
O sinal abre. À medida em que o carro se aproxima, ele diminui a velocidade:
- Vamos ver o que ele tá fazendo pela janela.
- NÃO!
Ele ri. Não olho, pois temo que o motorista esteja tendo com espuma na boca há esta altura.
- Pois é, né? Melhor a gente cuidar da nossa vida, temos os nossos problemas. Não é nosso carro mesmo, né? Não importa, porque não é carro meu...
- Aqui tá o dinheiro. Boas festas.


Chego na livraria e pego o que tanto aguardava: minha edição brasileira da obra de David Foster Wallace, Breves entrevistas com homens hediondos.

Apropriado, pensei.

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